quinta-feira, 23 de maio de 2013

APDSI promove conferência sobre "Privacidade, Inovação e Internet"


A APDSI realizou, a 22 de maio de 2013, uma conferência sobre "Privacidade, Inovação e Internet" na qual estas questões foram abordadas a partir de diferentes perspetivas de análise. A abertura da sessão esteve a cargo do presidente da direção da APDSI, professor José Dias Coelho, que destacou a pertinência do tema face à contradição que os próprios conceitos de privacidade e inovação encerram: "São dois temas em conflito porque a privacidade condiciona a inovação. Este é um tema atual, em ebulição, e enquanto não ficar claro o que está a acontecer vamos continuar a promover o debate".

O engenheiro José Gomes Almeida, coordenador da conferência e membro da direção da APDSI, começou por contextualizar o significado atual de privacidade, dando como exemplo os mapas que existem online com vistas de ruas, ou do Facebook que mostra a nossa história de vida, recordando que já em 2009 a APDSI tinha organizado uma conferência dedicada às "TIC para um mundo mais seguro": "O debate público sobre privacidade na Internet está instalado num novo patamar: no terreno dos valores culturais e comportamentais".

Sendo unânime a opinião de que a consciência global dos cidadãos está a mudar sobre os riscos associados à utilização da Internet, o professor Paulo Veríssimo referiu-se a dois conceitos importantes quando se fala de segurança na web: personalidade e privacidade digitais. "Em breve não ter personalidade digital e como não ter cartão de cidadão mas isso implica que uma boa parte da nossa vida fique algures. E algures para mim, neste contexto, é a melhor tradução de online", advogou Paulo Veríssimo. Os comportamentos de risco por parte dos jovens também mereceram a atenção do professor que lançou o desafio: "O Estado e os juristas têm a obrigação de começar a pensar nisto a sério. A digitalização da sociedade é um caldeirão e a questão que se levanta nesta altura é a quem é que interessa preservar a privacidade e a quem interessa não o fazer. A escrita das leis está virada para as soft matters e não pode ser assim porque no ciberespaço os perigos são muitos", ao mesmo tempo que alertou para a facilidade com que pode ocorrer o roubo de uma impressão digital: "Se a lei não acautelar a robustez do meio utilizado, no campo da biometria, por exemplo, então torna-se ineficaz. Não há nada mais nefasto que más leis; é pior do que leis nenhumas".


Novo regulamento sobre proteção de dados em 2015

Ilustrando o seu ponto de vista, a advogada Magda Cocco contrapôs algum do cepticismo inicial e acrescentou dados referentes à recente Proposta de Diretiva sobre Segurança das Redes e da Informação levada a cabo a 7 de fevereiro deste ano. "Na Europa sempre prevaleceu a privacidade em vez da segurança. Foi o 11 de setembro que passou a consagrar alguns valores de acesso a informação considerada pessoal até à data. Antes dos atentados já havia muita informação que estava retida. Foi o efeito Bin Laden na Europa que levou à criação de um novo pacote legislativo sobre e-privacy", afirmou, considerando positivas as mudanças que se sucederam: "Hoje em dia temos autoridades de proteção de dados em cada um dos Estados Membros. Este novo regulamento reduzirá a burocracia e corresponde à poupança de mais de dois milhões de euros por ano. O pacote legislativo de protecção de dados que está em discussão deverá entrar em vigor em 2015".

Também está previsto um significativo agravamento do valor das coimas a aplicar. O "privacy by design" será um conceito usual a partir de 2015 que implica que a proteção da privacidade e dos dados pessoais esteja incorporada em todo o ciclo de vida das tecnologias, desde a fase inicial de projeto até à sua implantação, utilização e eliminação final.

Perante estas novas regras Magda Cocco defende não pode haver uma lei única a aplicar no mundo inteiro: "É impossível legislarmos algo que circula livremente. Tem que haver uma adequada proteção dos dados com base numa cooperação enorme entre o mundo inteiro. A legislação americana é contraditória nalguns aspetos com princípios europeus, por exemplo".

O impacto da Internet na economia global

A abordagem na necessidade de se equilibrar três dimensões - privacidade, economia e inovação, bem como o papel que os consumidores e as empresas têm de ter, foi feita por Bárbara Navarro, Directora de Políticas Públicas e Assuntos Institucionais da Google para o Sul da Europa. Assim, do ponto de vista legislativo, um dos fatores que deve ser tido em consideração é o custo da regulação e a forma como os padrões locais podem não ser suficientemente eficientes para dar resposta aos desafios globais.
Bárbara Navarro destacou a rápida evolução dos utilizadores de Internet que em 2000 eram 650 milhões e em 2010 já eram dois mil milhões. "O debate da proteção de dados não pode esquecer estes números de pessoas conectadas diariamente em todo o mundo porque falar de proteção de dados também é economia. A Internet é dos poucos setores que pode levar a um crescimento económico com um forte impacto no PIB porque a Internet não é exclusiva aos setores TIC. A economia digital tem impacto nas PMEs, no comércio electrónico, na transformação da Administração Pública, na cidadania e na circulação de dados. Esta é uma grande revolução", expôs a responsável da Google.

A manipulação de imagem foi outra questão que, para José Magalhães, tem de ser punida futuramente com castigos mais severos para os infratores, nomeadamente com responsabilidade disciplinar, civil e criminal. "O equilíbrio é possível" augurou o ex-ministro antes de concluir a sua intervenção fazendo referência à "Lei Carolina Dieckmann", que entrou em vigor no dia 2/4/2013, no Brasil, e considerou crime a invasão de aparelhos eletrónicos para obtenção de dados particulares, com pena de três meses a um ano de prisão e multa.

Coube ao professor Bacelar Gouveia, constitucionalista, encerrar a conferência "Privacidade, Inovação e Internet" com as informações que concretizam o propósito legal por detrás desta discussão. "Estamos numa fase importante de transição em que vamos ter um instrumento normativo no que respeita à proteção de dados pessoais", antecipou.

No encerramento da sessão o constitucionalista recordou o tão falado Artigo 35 da Constituição Portuguesa, que é anterior à da Internet e dos computadores em uso massificado. O Artigo 35 consagra o direito do cidadão à autodeterminação informacional - direito a conhecer dados, à sua eliminação, retificação e a não serem usados sem consentimento. "A Constituição foi excelente na antecipação do futuro na medida", finalizou.

O encontro, que decorreu sob coordenação do Eng.º José Gomes Almeida, teve lugar na Culturgest, em Lisboa.

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